CONHECER E CUIDAR – DEVER CULTURAL.

Por Guilherme d’Oliveira Martins

«Olhares sobre a Terra-Mãe» de Luís Aguiar Branco é um percurso muito rico e entusiasmante em que o património cultural surge numa tripla dimensão – como manifestação criadora e humana, como diálogo com a natureza e com a geografia e como expressão do mais genuíno amor ao que as gerações passadas nos legaram.

Definido ao longo do tempo pela ação humana, o património cultural, longe de se submeter a uma visão estática e imutável, tem de ser considerado como um “conjunto de recursos herdados do passado”, testemunha e expressão de valores, crenças, saberes e tradições em contínua evolução e mudança. O tempo, a história e a sociedade estão em contacto permanente. Nada pode ser compreendido e valorizado sem esse intercâmbio extremamente rico.

Usando a expressão de Rabelais, estamos sempre perante “pedras vivas” – «je ne bâtis que pierres vives, sont hommes» -, já que as “pedras mortas” dão sempre testemunho das primeiras. O património surge, nesta perspetiva, como primeiro recurso de compromisso em prol da dignidade da pessoa humana, da diversidade cultural e do desenvolvimento durável. Estamos diante de um capital cultural que resulta do engenho, da arte e do trabalho de mulheres e homens, tornando-se fator de desenvolvimento e incentivo à criatividade. Quando falamos de diálogo e de respeito mútuo entre culturas e das diversas expressões da criatividade e da tradição, estamos a considerar o valor que a sociedade atribui ao seu património cultural e histórico ou à sua memória como fator fundamental para evitar e prevenir o “choque de civilizações”, mas, mais do que isso, para criar bases sólidas de paz, de entreajuda e de entendimento.

Impõe-se, deste modo, o reconhecimento mútuo do património inerente às diversas tradições culturais que coexistem e duma responsabilidade moral partilhada na transmissão do património às futuras gerações. E não esqueçamos o contributo do património cultural para a sociedade e para o desenvolvimento humano, no sentido de incentivar o diálogo intercultural, o respeito mútuo e a cultura da paz, a melhoria da qualidade de vida e a adoção de critérios de uso durável dos recursos culturais do território. Daí a importância da “cooperação responsável” na sociedade contemporânea, através da ação conjugada dos poderes públicos, do mundo da economia e da solidariedade voluntária.

Perante a exigência do reconhecimento mútuo do património inerente às diversas tradições culturais que coexistem e de uma responsabilidade moral partilhada na transmissão do património às futuras gerações, realizamos um exercício prático, onde, a propósito da herança cultural e da salvaguarda de marcos de memória, descobrimos a importância do diálogo entre valores e fados, entre ideais e interesses, entre autonomia e heteronomia.

O certo é que os valores humanos quando reconhecidos socialmente adquirem um carácter de permanência, tornam-se expressão da memória e do movimento, da tradição e da criação e aliam-se às constantes e invariáveis axiológicas numa relação complexa em que o património e a herança culturais tornam-se fatores de liberdade, de responsabilidade, de emancipação, de criatividade, de afirmação da dignidade humana e de respeito mútuo.

Uma obra de arte, uma catedral ou uma choupana tradicional, um conto popular, as danças e os cantares, a língua e os dialetos, as obras dos artesãos, a culinária ancestral – eis-nos perante expressões de valores que põem em contacto a História e a existência individual, a razão e a emoção, que constituem a matéria-prima de uma cultura de cidadania, de respeito e de paz.
É a esta luz que deveremos esta obra tão atraente e estimulante.